Porto Alegre vive uma transformação silenciosa, mas profundamente significativa. Enquanto muitas cidades brasileiras ainda debatem o papel das tecnologias no serviço público, a capital gaúcha já vive, em muitos de seus bairros, os impactos reais de uma estratégia que combina inovação, inclusão social e, agora, inteligência artificial. À frente dessa revolução está a Procempa – Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre, empresa responsável pela gestão pública da capital gaúcha.
Débora Roesler, diretora técnica da Procempa, não esconde a motivação que impulsiona a companhia: a transformação social. "Quando pensamos em moradia digna, não pode ser apenas água e luz. Internet também é parte disso. É o que conecta o cidadão às oportunidades de estudo, trabalho e acesso a serviços. E é isso que a gente tem feito com os "Territórios Inovadores"", afirma.
O projeto dos Territórios Inovadores, criado inicialmente com quatro áreas, hoje se expandiu para oito, graças a parcerias com o movimento Pacto Alegre. Em regiões como o loteamento Santa Terezinha – antiga Vila dos Papeleiros – e mais recentemente a Ilha dos Marinheiros, a Procempa levou internet gratuita à população, eliminando uma das principais barreiras de acesso aos serviços digitais.

"Temos mais de 500 serviços digitais disponíveis, mas isso não adianta se a população não tiver conectividade", reforça Débora. A iniciativa já cobre também locais de grande circulação como o Mercado Público e a Orla III da capital. "A transformação digital só tem sentido se houver transformação social", resume a diretora.
Smart Lab e a inteligência artificial a serviço do bem público
Na ponta da inovação da Procempa está o Smart Lab, laboratório da companhia que desenvolve uma série de projetos baseados em inteligência artificial com aplicações reais nas áreas de segurança, saúde e mobilidade urbana, entre outras.
Márcio Scherer, supervisor técnico do setor de Arquitetura de Soluções e Inovação da Procempa, diz que um dos projetos de maior impacto é o Horus NG, tecnologia que transforma um simples smartphone em uma câmera inteligente móvel, capaz de ler placas de veículos em tempo real. Integrado ao banco de dados do Detran, o sistema identifica veículos com ocorrência de roubo ou furto. "Isso amplia o cercamento eletrônico da cidade com um custo muito menor. Hoje temos 500 câmeras fixas. Com o Horus, cada viatura da Brigada pode ser uma câmera móvel", explica Scherer.
A cidade, que em 2014 enfrentava índices alarmantes de roubo de veículos, com mais de 1.300 casos mensais, viu essa realidade mudar com o apoio da tecnologia. "Reduzimos em quase 90% esses índices. A inteligência artificial agora é uma aliada ainda mais forte nesse combate", celebra o técnico.
IA salvando vidas: diagnóstico precoce e regulação mais eficiente
Mas talvez o campo mais transformador da atuação da Procempa esteja na saúde pública. A parceria com o MIT e a Santa Casa de Porto Alegre resultou em projetos como o Mirai e o Sybil, inteligências artificiais que conseguem prever, com precisão de até 90%, a probabilidade de um paciente desenvolver câncer de mama ou de pulmão, respectivamente.

"O Mirai, por exemplo, analisa uma simples mamografia e consegue prever a chance de uma paciente desenvolver câncer de mama nos próximos cinco anos, com cerca de 80% de precisão. Isso é antes de qualquer outro método conseguir detectar", explica Scherer. Essa previsão antecipada pode salvar milhares de vidas.
O mesmo acontece com o SkinScan, tecnologia desenvolvida pela própria Procempa, que ajuda médicos da atenção básica a identificar lesões de pele suspeitas de câncer. Com uma simples foto, a IA classifica a lesão e pode priorizar o atendimento com especialistas, otimizando a fila de espera. "Só na dermatologia, já tivemos mais de 8 mil pessoas na fila. A IA ajuda a regular essas consultas, garantindo prioridade para os casos mais urgentes", destaca Scherer.
Todo esse ecossistema é integrado ao sistema de regulação municipal, que inclui o GERCOM (consultas), GERPAC (procedimentos de alta complexidade) e GERINT (internações). Desenvolvido pela Procempa e Secretaria Municipal de Saúde, esse complexo regulador foi adotado pelo estado do Rio Grande do Sul e também por Goiás, demonstrando a escalabilidade das soluções porto-alegrenses.
SmartGen

Liana Rigon, supervisora do setor de Novos Negócios da Procempa, explica sobre o desenvolvimento do SmartGen, a nova plataforma de inteligência artificial generativa da companhia, e sobre os avanços do programa de inovação aberta, que conecta o poder público ao ecossistema de startups.
O SmartGen funciona de forma segura dentro da infraestrutura da prefeitura. "A principal preocupação que tivemos foi garantir que dados sensíveis dos cidadãos — como informações de saúde, impostos e segurança pública — permaneçam protegidos e dentro do nosso data center", afirma Liana.
Diferentemente de ferramentas abertas como ChatGPT ou Gemini, o SmartGen opera totalmente "on-premises", ou seja, com armazenamento e processamento realizados no data center da própria prefeitura. Isso elimina o risco de vazamento ou incorporação dos dados aos modelos públicos de IA, como previsto nas políticas de privacidade dessas plataformas.
Além da segurança, o SmartGen oferece funcionalidades desenvolvidas especialmente para o setor público. Uma delas é a integração com o sistema SEI (Sistema Eletrônico de Informações), amplamente usado por órgãos governamentais. A ferramenta permite, por exemplo, puxar processos completos diretamente do SEI, fazer resumos, localizar informações específicas como custos ou responsáveis por ações e gerar insights de forma quase instantânea.
"O ganho de produtividade é enorme", explica Liana. "Temos casos de processos com centenas de páginas e o SmartGen ajuda a analisá-los em segundos. Além disso, permite transcrição e elaboração automatizada de atas de reunião, criação de grupos de trabalho com espaços colaborativos, e personalização por perfis de usuários como advogados, jornalistas ou desenvolvedores".
Inovação aberta: o setor público se conecta ao ecossistema
Outro avanço marcante é o programa de inovação aberta da Procempa, que já está em sua primeira fase com três startups selecionadas para desenvolver soluções em saúde, gestão baseada em dados e mapeamento de conhecimento interno.
"Mesmo com nossa estrutura tecnológica moderna, sabemos que não podemos fazer tudo sozinhos. Precisamos nos conectar com outros atores do ecossistema", explica Liana. O programa contou com apoio da consultoria InnoScience e baseia-se no Marco Legal das Startups, que permite à administração pública contratar soluções inovadoras com segurança jurídica.
Foram formadas 30 pessoas da empresa para atuarem com inovação aberta, e após seleção das startups, teve início o período de desenvolvimento das provas de conceito (POC), que duram três meses. O objetivo é que, ao final, as soluções possam ser contratadas diretamente, agilizando sua implantação.
"A grande virada é poder contratar, caso a solução funcione. Isso sempre foi um gargalo no setor público, mas conseguimos estruturar os processos jurídicos e regulatórios para viabilizar essa possibilidade", detalha Liana.
O SmartGen ainda está em fase piloto. O plano é expandir gradualmente o acesso, conforme o feedback dos primeiros usuários ajude a refinar o sistema. "As pessoas estão ansiosas, querendo acessar. A ferramenta tem a mesma performance de um ChatGPT, mas dentro de um ambiente seguro", enfatiza Liana.
A expectativa é que a expansão para mais secretarias ocorra após dois meses de testes. O investimento em hardware especializado, com servidores potentes equipados com GPUs, garante que o sistema suporte o crescimento sem perda de performance.
No campo da inovação aberta, o segundo ciclo do programa já está sendo planejado para ocorrer entre setembro e outubro, com lançamento de mais três desafios.
A experiência da Procempa demonstra que é possível inovar dentro do setor público com responsabilidade, segurança e agilidade. O SmartGen e o programa de inovação aberta colocam Porto Alegre na vanguarda da transformação digital das cidades brasileiras.
"Ao final do dia, estamos falando de entregar melhores serviços para mais de um milhão e meio de pessoas", conclui Liana Rigon. "A tecnologia tem que estar a serviço do cidadão — e esse é o nosso compromisso."